Resgate

Galeria do Pavilhão 31

A exposição “Resgate”, com curadoria de Luís Alegre, consiste num exercício dialético entre os escultores Anabela Soares, artista residente do ateliê da P28 desde 2013 e membro do coletivo Manicómio, e José Maria Rodrigues (1906-1999), mestre do barro preto, cujas expressões artísticas resistem à elitização e comercialização excessiva da arte. Trata-se uma oportunidade única para apreciar um inestimável acervo de arte popular, cruzando realidades distintas de um mesmo universo.

Inauguração: 15 de Abril, 18h
Exposição: 16 de Abril a 17 de Maio de 2025
Quarta-feira a Sábado: 14h – 19h. Encerra feriados.

Galeria do Pavilhão 31 | Hospital Júlio de Matos
Av. do Brasil, nº 53 (entrada Rua das Murtas)

Anabela Soares utiliza a arte como meio para exorcizar medos e ansiedades, criando em barro peças figurativas às quais carinhosamente chama os “seus monstros”. Estes nascem de uma operação de resgate aos confins das suas inquietações. Desde 2015 que a sua obra integra regularmente exposições coletivas (P28, Espaço Fidelidade Chiado 8 Arte Contemporânea, MAAT, entre outras), e individuais (Casa Bordalo Pinheiro, 2020).

José Maria Rodrigues nasceu em Ribolhos, Castro Daire, em 1906. Aprendeu a arte de moldar o barro e tornou-se num dos mais reputados oleiros de Portugal. Começou por produzir objetos domésticos utilitários, mas a mudança nos hábitos de consumo e a introdução de novos materiais forçaram-no a abandonar a roda de oleiro, passando a dedicar-se à construção de figuras inspiradas na vida rural e no quotidiano da Serra de Montemuro. Mestre Zé Maria afirmava resgatar as suas peças do chão, onde as cozia num buraco, de acordo com a técnica tradicional que utilizava.

“Resgate” pensa a arte como ferramenta de empoderamento e agente de mudança, convocando a capacidade das expressões populares de promoverem o valor intrínseco da arte como expressão cultural e pessoal, em vez de meros objetos de valor comercial ou estatuto social. A cultura popular revela-se acessível a um público mais amplo, oferecendo uma miríade de alternativas às tendências dominantes no circuito artístico, envolvendo ativamente comunidades locais e permitindo que pessoas de todas as idades e origens participem quer na criação, quer na sua fruição estética.

David Graeber entendeu a história humana como um processo não linear, marcado por desvios e resistências. A exposição Resgate reflete essa ideia, reunindo obras de Mestre Zé Maria de Ribolhos e Anabela Soares, unidos pelo uso do barro como meio de expressão e resistência contra o esquecimento imposto pela modernidade.

O “resgate” presente nas suas obras atua em vários níveis: é a recuperação de uma matéria bruta, a preservação de tempos ameaçados e a afirmação de subjetividades marginalizadas. Zé Maria, diante do declínio da olaria tradicional, reinventou sua prática, transformando-a em arte com força expressiva e resistência cultural. Anabela utiliza a cerâmica como forma de reconstrução pessoal e afirmação identitária, criando peças que evocam rituais e forças invisíveis.

Ambos os artistas recusam categorias convencionais. O resgate que operam não é nostálgico, mas insurgente — uma transformação que afirma a arte como gesto vital de sobrevivência e libertação. E, de igual modo, ambos recusam os limites que lhes foram impostos: Zé Maria não se reduz a um oleiro tradicional, nem Anabela a uma artista outsider. Navegam num espaço intermédio, onde a arte resiste à institucionalização e se apresenta como forma de liberdade. Resgate, assim, não é apenas uma exposição, mas um manifesto sobre a força da arte que sobrevive — não pela inovação, mas pela sua capacidade de reaparecer, transformar e libertar.